O luto na vida adulta e na velhice
- Anderson Torres
- 6 de set. de 2021
- 4 min de leitura
A vida adulta insurge com as dificuldades do mundo capitalista, que se inicia quando o indivíduo passa a sofrer exigências externas, assumindo novos papéis e atribuições. A responsabilidade com a família, trabalho e amigos e a intimidade afetiva nestas relações se fazem presente, diminuindo os impulsos de outrora e fazendo-se agir com ponderação e calma.
Kovács (2002) define esta fase na vida, anterior à velhice, marcada pela ponderação, mas ao mesmo tempo marcada pela distância da ameaça da morte em função da busca constante pela satisfação de necessidades materiais e realizações pessoais de status.
Para Franco (2009), as pessoas vivenciam os relacionamentos pessoais com sentido de posse, portanto as dificuldades estão relacionadas diretamente ao sentimento de perda. O ser humano ocidental vive os vínculos como se possuísse as pessoas com quem tem relações e quando entram em contato com a morte, esta passa a ser vivenciada como perda e não como rompimento inerente à existência.

Pincus (1989) afirma que há muitos fatores que interferem nas perdas, na forma da morte, como a preparação para perda e as interações que existiam entre o sobrevivente e a pessoa que faleceu. Pessoas na idade adulta que descobrem doenças percebem com clareza que poderão morrer. Em alguns casos, o corpo sinaliza traços que mostram para o adulto doente que já não está tão bem, que já não é tão jovem, ágil e vigoroso como era antes da doença. Assim, muitos se preocupam com o tempo de vida, quanto tempo ainda sobrevivem para que possam aproveitar esses últimos dias, meses ou anos.
O adulto possuiu como estratégia de enfrentamento mais efetiva e citada quanto à elaboração do luto a sua compreensão de morte, pois consegue entender o seu significado e já o tem normalmente construído nesta fase. Alguns enfrentam o luto casando-se novamente, outros se mantêm ocupados com novas atividades, assumem novos papéis, buscam outros grupos de amigos, enfim, por compreenderem a morte, torna-se “mais fácil” socializarem novamente (PAPALIA, OLDS; FELDMAN, 2006).
Luto na velhice
A sociedade moderna, pautada no produção e consumo, adota o jovem como seu modelo essencial e, consequentemente, estigmatiza a velhice, cuja consideração é algo feito genericamente, quando então só o outro envelhece, não afetando a individualidade.
Renegar a velhice está ligado à não-aceitação de corpos que evidenciam a marca dos anos, os quais são o oposto do idealizado padrão jovem no modelo social atual, talvez porque a velhice é a fase que mais se aproxima da morte. Sua consideração leva ao reconhecimento das próprias restrições e da finitude: “quanto ao desenvolvimento chegamos a uma fase conhecida como velhice que, como vimos, não tem início definido, mas cujo fim é claramente a morte” (KOVÁCS, 2002).
O luto pode representar um processo de grande impacto no idoso, pois este traz consigo perdas pessoais e sociais decorrentes de a velhice ser estigmatizada como fase da invalidez ou da condescendência. Por isso, devemos considerar que trabalhar emocionalmente as perdas decorrentes de alterações físicas e isolamento social é complicado, e pior se associadas à morte do cônjuge e, principalmente, de um filho” (BRASIL ESCOLA, S/D).
O idoso deve ser acompanhado e deve-lhe ser permitido tempo para reorganizar-se emocionalmente. Na fase inicial do luto ele pode ter necessidade de ajuda para atividades básicas da vida diária, pois “a máscara usada no funeral não pode mais ser mantida e é necessário que algum parente ou amigo próximo assuma muitos dos papéis e responsabilidades do enlutado, deixando-o livre para vivenciar o luto” (PARKES, 1998).
No idoso em processo de luto podem ocorrer alguns distúrbios, como os do sono e da alimentação, ou ainda manifestações somáticas, sendo comum falta de ar, aperto no peito, falta de energia, insônia, passividade, alucinações e ansiedade. As alterações do sono podem estar relacionadas à somatização ou dever-se ao fato de que “durante o sono ou em períodos de atenção relaxada, as lembranças dolorosas tendem a invadir nossa mente e nos pegamos revivendo o trauma mais uma vez” (PARKES, 1998).
O idoso pode ter dificuldades para vivenciar o processo de luto por vários motivos, sendo um deles a inabilidade em falar sobre a dor relacionada à perda, pois na sociedade atual as pessoas “preferem afastar-se do medo da morte, levando a um recalcamento da perda, em lugar de manifestações outrora usuais” (Brasil Escola, s/d).
A velhice, que normalmente é reconhecida como a fase da sabedoria e do amadurecimento, o que favorece melhor essa vivência, ao contrário, se apresenta como a fase de pouca disponibilidade para a elaboração da perda, ou mesmo como aquela em que faltam condições emocionais próprias e principalmente as advindas do entrosamento com o outro vivo, muito mais importantes do que as oriundas do relacionamento com o falecido.
Falta, nesse momento, uma relação mais íntima, seja terapêutica ou seja de amizade, para uma ajuda eficaz. Isso exige um compartilhar de sentimentos, que não é facilmente conseguido. Talvez neste contexto possamos entender a afirmação de que “na maioria das vezes os enlutados vivenciam a dor da perda na solidão”, pois o enfrentamento da dor e do luto ocorre sem condições resolutivas, já que estes são desconsiderados os vários fatores pessoais, familiares e sociais que comumente favorecem alterações emocionais no idoso (BRASIL ESCOLA, S/D).
Finalizo com essa bela reflexão da Maria Homem:
Referências:
Brasil Escola (s/d). Um estudo teórico da morte. Recuperado em 16 de fevereiro de 2007, de http://www.brasilescola.com/ psicologia/estudo-teorico-morte2.htm.
FRANCO, Maria Helena Pereira. Luto como experiência vital. Cuidados Paliativos, discutindo a Vida, a Morte e o Morrer. 1ed. São Paulo: Atheneu, v. 1, p. 245-255, 2009.
PAPALIA, Diane E; OLDS, Sally Wendkos; FELDMAN, Ruth Duskin. Desenvolvimento humano. 8. ed. Porto Alegre: Artmed, 2006.
PARKES, Colin Murray. Modelos e teorias tradicionais do luto. Cuidado com o luto, v. 17, n. 2, pág. 21-23, 1998.
PINCUS, Lily. A família e a morte: Como enfrentar o luto. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989.
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